No início de setembro de 1975, fiz uma viagem pela região do Pantanal Matogrossense. E tive a grande sorte de avistar a paisagem fantástica do ipê em flor. A floração do ipê estendia-se por quilômetros quadrados.
Masuda Goga
As nuvens douradas
flutuam no Pantanal:
– florada de ipê.
Quarenta e cinco anos depois da criação deste haikai – poema de três versos, de origem japonesa, inspirado na natureza – nosso pantanal está em chamas. Assim como a Amazônia. E outros santuários do Brasil.
Segundo matéria no site G1¹ , o fogo já destruiu 85% do Parque Estadual Encontro das Águas, refúgio das onças pintadas. Com relação à área perdida para os incêndios, o instituto apresenta os dados mensalmente: a última estimativa, contabilizada até 31 de agosto, apontava uma perda de 12% do bioma neste ano – foram 18,6 km². O recorde para o mês era de 2007, com 5.498 focos de calor detectados; neste ano, número foi ultrapassado com 5.603 registros até 16 dia de setembro. Antes de terminar o ano, 2020 já superou o recorde anual anterior de queimadas em 26%.
A Amazônia também já registrou mais focos de incêndio até o 16º dia deste mês do que em todo o mês de setembro do ano passado. Em setembro de 2019, foram 19.925 focos de calor; neste ano, até quarta-feira (16), houve 23.277 focos, uma alta de 16,8%.
Somando Amazônia e Pantanal, o Brasil perdeu 53.019 km² de mata nativa devido às queimadas até 31 de agosto. O número é equivalente a 34 cidades de São Paulo, ou quase a soma dos estados de Sergipe e Alagoas.
No domingo, 20 de setembro, o fogo avançou também no Vale do Matutu, relevo ao sul de Minas Gerais, um santuário ecológico. Uma brigada de voluntários, juntamente com a chuva, conseguiu interromper as queimadas.
Que consigamos conter as queimadas.
Que consigamos erradicar a devastação de nossos santuários.
Que consigamos interromper a destruição de nossos povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas.
Que a primavera, com todo seu esplendor, traga-nos a esperança, a renovação e a mudança, como um ipê em flor.
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Haikais de MATUTU DO ², livro de poemas de Sílvia Rocha, escritos ao longo de quase trinta anos de idas e vindas no Vale do Matutu, a ser lançado em breve, pela editora É selo de língua.
salta um ipê amarelo
no verde do vale
e nos meus olhos
um aqui outro ali
ipês amarelos
anunciam a primavera
Contudo, quando a primavera chega, ela colore e comove. Perfuma e performa. A dança da vida.
compasso de espera
onde serão plantadas?
pergunta a primavera
namora com as azaleias
flerta com o céu
flor de são miguel
no tronco morto
a vida se revela
vida amarela
no tronco morto
a vida se revela
orquídea amarela
no tronco morto
anuncia a primavera
vida amarela
morto, o tronco
inesperado encontro
orquídea amarela
Haikais e fotos de Sílvia Rocha
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(¹) Reportagem de Carolina Dantas e Lara Pinheiro, G1, no dia 17/09/2020
(²) Obra contemplada pelo ProAC, Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo.
Foto em destaque: “Ipê / Quando isto existe, aquilo existe”, arte de Fábio Rodrigues para apoiar o estudo do livro A lógica da fé, de Elizabeth Mattis-Namgyel, em www.olugar.org.
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